sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Pequenas historias...

HISTÓRIA DAS SEREIAS


Numa noite calma de primavera ou outono, o marinheiro deixa deslizar docemente seu barco perto das margens semeadas de rochedos e ouve ao longe, no marulho das ondas, o gorjeio de uma ave. Esse gorjeio, entrecortado por gritos estridentes e zombeteiros, ganha os ares e passa invisível com um estranho síbilo de asas, por cima da cabeça do marinheiro atento, dando-lhe a impressão de um concerto de vozes humanas. A sua imaginação lhe representa grupo de mulheres que se divertem e tentam desviá-lo de seu rumo. Ele acaba se aproximando mais para identificar a voz e sua embarcação se quebrará nos rochedos. Esta é sem duvida, a origem de todas as fábulas das Sereias. Mas devemos agradecer a estes poetas que criaram esta lenda tão maravilhosa.
As sereias na época de homero eram 3 irmãs, filhas do deus Aqueló e da musa Calíope. Lígia toca flauta, Parténope lira e Leucósia lê textos e cantos. Seus nomes gregos evocam as idéias de candura, de brancura e de harmonia. Outros dão-lhes os nomes de Aglaofone, Telxieme e Pisinoe, denominações que exprimem a doçura da sua voz e o encanto de suas palavras. Conta-se que elas eram ex-companheiras de Perséfone, filha de Deméter, que foi raptada por Plutão(Hades), Senhor dos Infernos. Segundo a lenda, as sereias devem sua aparência a Deméter, que as castigou por terem sido negligentes ao cuidarem de sua filha.
Ovídio, ao contrário, diz que as Sereias, desoladas com o rapto de Perséfone, pediram aos deuses que lhes dessem asas para que fossem procurar a sua jovem companheira por toda a Terra. Habitavam rochedos escarpados sobre as margens do mar, entre a ilha de Capri e a costa de Itália.
O oráculo predissera às Sereias que elas viveriam tanto tempo quanto pudessem deter os navegantes à sua passagem, mas desde que um só passasse sem para sempre ficar preso ao encanto de suas vozes e das suas palavras, elas morreriam. Por isso essas feiticeiras, sempre em vigília, não deixavam de deter pela sua harmonia todos os que chegavam perto delas e que cometiam a imprudência de escutar os seus cantos. Elas tão bem os encantavam e os seduziam que eles não pensavam mais no seu país, na sua família, em si mesmos. Esqueciam de beber e de comer e morriam por falta de alimento. A costa vizinha estava toda branca de ossos daqueles que assim haviam perecido.
Entretanto, quando os Argonautas passaram nas suas paragens, elas fizeram vãos esforços para atraí-los. Orfeu, que estava embarcado no navio, tomou sua lira e as encantou a tal ponto que elas emudeceram e atiraram os instrumentos ao mar.
Ulisses, obrigado a passar com seu navio adiante das Sereias, mas advertido por Circe, tapou suas orelhas e de todos os seus companheiros e se fez amarrar os pés e as mãos ao mastro principal. Além disso, proibiu que de lá o tirassem se, por acaso, ouvindo o canto das Sereias, ele exprimisse o desejo de sair. Não foram inúteis essas precauções. Ulisses, mal ouviu as doces vozes e as promessas sedutoras das Sereias, deu ordem para que seus marinheiros o soltassem, o que felizmente eles não fizeram.
Pausânias conta ainda uma fábula sobre as Sereias:"as filhas de Aqueló, diz ele encorajadas por Juno, pretendiam a glória de cantar melhor do que as Musas, e ousaram fazer-lhes um desafio, mas as Musas, tendo-as vencido, arrancaram-lhe as penas das asas e com elas fizeram coroas." Com efeito, existem antigos monumentos que representam as Musas com uma pena na cabeça. Apesar de temíveis ou perigosas, as Sereias não deixaram de participar das honras divinas e tinham um templo perto de Sorrento.


AS SEREIAS ATRAVÉS DOS TEMPOS


A aparência das sereias evoluiu através os tempos. Na época da Antiga Grécia, eram representadas como seres alados, com rosto humano e corpo de ave. Nas mãos têm instrumentos: uma empunha uma lira, outra duas flautas e a terceira gaitas campestres ou um rolo de músicas para cantar. Também pintam-nas com um espelho, penteando seus longos cabelos. Sua transformação em criaturas metade mulher, metade peixe, remonta da Idade Média e das lendas celtas e germânicas. As lendas irlandesas e inglesas fazem referência a presença de sereias por toda a extensão da Costa, enquanto a mitologia germânica, as vê surgir na espuma das ondas. A tradição celta relata Ahez, filha do rei Grallon, que submergiu nas águas por haver entregado a cidade de Ys ao diabo, se convertendo então em sereia.
Cristóvão Colombo também as viu em frente as Antilhas. Segundo ele, longe de possuir a beleza cultuada pelos gregos, eram criaturas feias e mudas.
A idéia de um amor ideal, mas fatal, era mencionado em todas as lendas.


SEREIAS CONTEMPORÂNEAS


O mito das sereias não é uma passagem histórica, distante de nós pelo tempo e espaço, mas arquetípica, já que "a mitologia não é uma narrativa das origens, mas o origem de toda a narrativa". O homem tem necessidade de narrar, para repassar valores que transcendem sua compreensão. O que temos hoje são o canto das sereias contemporâneas. Mas quem são elas?
Durante as longas eras da história da humanidade, a mulher tem evoluído, saindo do estado puramente instintivo, que é representado pela lua escura. Sabemos que a manifestação instintiva e não-humana é como uma maré que inunda os porões dos valores humanos. Por isso, foram traçados critérios e normas para impedir tais inundações. Entretanto, a vida dentro destes parâmetros, tornou-se tão estéril, que hoje os indivíduos necessitam novamente um contato direto com as fontes da vida que podem surgir de uma relação mais livre com o instinto.
A mulher, em particular, busca desvencilhar-se das restrições e preconceitos que lhes foram impostos deste a época vitoriana. Mas, assim que ela se liberta, o aspecto instintivo e não-humano começa a aflorar. Permitindo-se agir de acordo com seu instinto, ela torna-se agente do eterno feminino, que é irresistível para a maioria dos homens. O surgimento da feminilidade instintiva acontece na mulher como parte da experiência de sua qualidade lunar. Porém, se esse instinto não tiver controle, a mulher rebaixa-se do nível humano ao de animal instintivo. Ela seria de fato, muito semelhante a uma sereia ou ninfa. Essas criaturas mitológicas, meio-peixe meio-mulher, conquistam os homens não por amor, mas pela ânsia de obter poder sobre ele. E, por mais estranho que pareça, esta mulher exerce um grande poder de fascínio sobre os homens, sugando sua atenção e paixão. Entretanto, a mulher deste tipo, nunca está consciente de si e de seu instinto. Este aspecto, para exemplificar, é bem representado pela lua escura, ou a fase bem inicial da lua crescente. Mas, também, esta mulher pode ter chegado a este estado porque achou que as maneiras convencionais de agir são inteiramente estéreis e inférteis, como a Terra desolada da lenda de Graal. A inundação do instinto lembra o dilúvio com o qual Istar trouxe umidade à terra deserta. Mas, no mito, seus filhos tornam-se "como peixes do mar", verdadeira razão para lamentação.
Mas, por ter experimentado o poder da deusa em si mesma, ela sabe que a mulher convencional não é uma mulher verdadeira. E, assim continuará imersa em seus desejos instintivos e maneiras de agir que ameaçam submergir o pouco de humano que ainda lhe resta. Como constatamos, este é um caminho sem volta, mas basta saber se há um caminho adiante. E há! Como nos conta a lenda, quando a lua enviou o dilúvio para terra, ela também se preocupou em fornecer meios de salvação. Trouxe a terra um barco que levava os escolhidos para um novo mundo. Tal barco era uma arca, um barco lua-crescente e nela seu povo foi carregado para o sol. Mas o que está por detrás da lenda? Ela nos diz que ao invés de ser tragada pelas águas da lua, a mulher pode embarcar em sua arca e assim tornar-se sua companheira. A salvação está no reconhecimento que sua atitude não é humana, mas pertence ao reino do divino. Entrar neste barco da deusa implica a aceitação da força do instinto, porém com um espírito religioso, entendendo-o como manifestação da própria força criativa da vida. Quanto tal atitude é entendida, o instinto passa a ser olhado como um recurso a ser explorado para vantagem na vida pessoal.

Texto pesquisado e desenvolvido por Rosane Volpatto. Bibliografia consultada pela autora: 1. As mais belas histórias da Mitologia, Sérgio D. T. Macedo; 2. Os Mistérios da Mulher, M. Esther Harding; 3. Mitologia Grega e Romana, Commelin

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